Borboleta - a menina que lia poesia, resenha crítica por Leila Míccolis
ARES, MARES E ROCHEDOS
por Leila Míccolis
“Não haverá borboletas se a vida não passar por longas e silenciosas metamorfoses”.
Rubem Alves
Não é de hoje que a autora é fascinada por borboletas: em 2009 tive o
prazer de prefaciar o livro de Chris Herrmann intitulado Voos de
Borboleta – haicais leves, como um bater de asas; no entanto, o adejo
deste inseto colorido em Borboleta – a menina que lia poesia é
completamente outro: pertence a alguém que, presa em um casulo fatal,
vive extraindo do mundo das leituras a sua força, coragem e determinação
diárias.
Por não conter diálogos, a leitura deste livro podia
tornar-se cansativa, logo nas primeiras páginas. Porém, com delicadeza e
sensibilidade, a autora consegue nos prender até o final, e
acompanhamos com grande interesse o crescimento interior de Maria Rosa,
uma jovem que vai da mudez à fala, do isolamento à plena interação com
as outras meninas-moças internadas no mesmo local hospitalar que ela,
capaz de viver cada dia como se fosse o primeiro e o último de sua
existência e de celebrar a vida da forma mais intensa possível dentro
das circunstâncias limitadoras de seu precário estado de saúde. Maria
Rosa nos lembra, a todo instante, o inestimável valor da poesia, dos
livros, da solidariedade, da beleza, do diálogo, da amizade e do amor,
sutilmente enfatizando a ideia de que, em nossa travessia, o mais
importante é a própria caminhada, o modo como a percorremos.
Um
romance que se transforma simultaneamente em um livro de viagens, com a
jovem borboleteando os jardins da cidade natal de seus autores
preferidos, para descrever as diferentes cores locais; em reflexões, sob
o formato de poesia, fazendo com que questionemos comportamentos
cotidianos: “Despreconceito / é a compreensão do outro na gente”; e
também se apresenta como um diário, oferecendo ao leitor a intimidade de
uma adolescente que, apesar da adversidade, vai metamorfoseando-se e
desabrochando-se a cada novo aprendizado, sem perder sua inocência e
pureza. Uma literatura polimorfa, portanto, por conter em si múltiplas
propostas estéticas.
Que reverbere, em nós, a principal mensagem
da obra, alicerçada na impermanência e na transitoriedade da vida,
visando não o hedonismo imediatista tão comum em nossa época, mas sim a
percepção de cada minuto como uma dádiva em prol de nosso aprimoramento
ético, moral, intelectual, mental e físico.
A personagem
principal ama as borboletas porque identifica-se com seus voos; mas eu a
vejo também nos mares, não como uma arraia-borboleta, mas como uma
determinada espécie de ostra, a princípio fechada em sua concha, mas
que, com o passar do tempo, fixa-se a uma rocha fazendo dela o seu
sustentáculo – Maria Rosa e Rocha –, transformando sua dor em pérola
(pois não há pérola sem sofrimento), e oferecendo ao mundo a mais
preciosa joia gerada em seu âmago, em seu íntimo, em suas entranhas.
*
Leila Míccolis é Mestra, Doutora e com Pós-Doutorado em Letras/Teoria
Literária (UFRJ), pesquisadora, escritora de livros, TV, teatro e
cinema.
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